31 de março de 2008

De ti serei livre (?)

A ti, monstro que habita o meu ser, te temo.
A ti, coisa estranha e muitas vezes incompreensível, te desprezo.
De ti, fonte de tormento e dor, nada quero e nada espero a não ser que te vás.
De ti, antro de frustações e raiva reprimida, sonho livrar-me em breve e gritar ao céu e à terra quem sou.

Por existires, ser indesejado e absolutamente descartável, tenho medo de mim mesma e dos outros.
Em ti penso, porque o teu acordar é a minha agonia, e a tua vida, o que consome a minha.

De ti, e das amarras com que me prendes e isolas do mundo, espero libertar-me e por isso luto, dia após dia.
A tua mostruosidade, que se coloca diante de mim como um muro entre o meu espírito e os outros, será qualquer dia a simples memória de um pesadelo.

Sem ti encontrarei, com toda a certeza, a felicidade de conseguir amar-me, e de expressar o que sou, na totalidade, a quem amo.

22 de março de 2008

Gritos mudos

Penso e torno a pensar.
Não consigo, ainda assim, encontrar razões para este estado em que me encontro.
A tristeza e a solidão não cessam, e não sei porquê.
A chuva miúda e a escuridão do céu são apenas o que vejo com clareza, materializando o que sinto. Eu, eu só queria o sol.
Não quero a chuva que se dissolve na minha mente atormentada, não quero o vento que corrói o meu corpo com o tédio dos dias, não quero a escuridão que se abate sobre mim pela ausência daqueles de quem preciso.
Grito por dentro, esperando estupidamente que alguém ouça o que estou a sentir. Nada é o que tenho, o que me dão, o que eu posso dar. E nunca quis tudo.
Quero apenas saber que alguém está lá quando os dias são sombrios, que alguém me afaste da tempestade no meu interior. E não obtenho resposta.
Não me ouvem, não sentem que estou aqui, inerte, à espera de algo que me distraia de mim.

17 de março de 2008

¿ Eu ?




nas alturas de conversa e interacção, sou uma.

nas horas solitárias de pensamentos inquietos e absurdos, sou outra.

ambas se conhecem, ambas convivem no mesmo corpo que parece não representar nenhuma das duas convenientemente. esse corpo está lá por estar, por mera obrigação biológica.
quanto a elas, procuram entender-se, tentam um equilíbrio ideal entre uma e outra que nunca é perfeito nem lógico. tanto uma como outra lutam por mostrar o que de melhor têm. uma e outra procuram esconder e abafar o seu lado negativo, no caso de uma; ou mais obscuro, no caso de outra.

por vezes, mais almas interferem nesta relação porque, como um dia concluí de uma conversa com uma amiga, parece que todos somos constituídos por várias pessoas que co-habitam num só corpo. e se duas já levantam problemas de cooperação e existência mútua, que havemos de fazer quando outros se erguem do inconsciente para interferir no pensamento e no ser?
o facto é que esse ser é influenciado por tantos factores, situações e pessoas que por vezes age como se fosse alguém totalmente exterior a si mesmo. quem não teve já atitudes que não consegue explicar, que não são "suas" mas de outra pessoa, de alguém estranho ao nosso suposto "eu"? por vezes até queremos, de facto, ser uma pessoa diferente, agindo propositadamente conforme aquilo que aspiramos a ser. mas será que vale a pena?

uma coisa é certa: por vezes, é inevitável o confronto com outros "eus" que não sabíamos existirem ou que estavam há muito adormecidos. é que esses "eus", um tremendo incómodo à nossa tranquilidade e sendo por vezes incontroláveis, existem — em nós. se desaparecerem, será com o tempo, naturalmente, dissipando-se na alma que cresce e se desenvolve.

eu, na consciência de ser muitos dentro de mim, apenas sou eu se eles existirem, se eles não forem ignorados ou desprezados — apesar de por vezes não gostar de nenhum, ou de querer ser o melhor de todos eles.

12 de março de 2008

Assim sou...


Agora, posso mudar o rumo da minha vida, e só eu tenho o poder decidir pela minha própria felicidade.
Agora, devo dizer o que quero, fazer tudo por uma existência mais completa.
Agora, eu, por mim, não devo esperar que os problemas se resolvam por si mesmos ou sejam os outros a tomar a iniciativa.

Lentamente, num caminho que antes não tinha coragem de seguir, é isso que tenho feito. O caminho que levava teria certamente como fim uma solidão angustiante.

E assim, os meus pés levam-me agora a outros locais, de luz, de honestidade para comigo. Faço-o por mim, sobretudo, porque a consciência do ridículo de ser como era me levou a agir, a decidir ser feliz...

ser feliz... com o que sou, e não com o que seria ideal -- para quê ficar presa a um ideal, a uma utopia inatingível de perfeição do ser?

Assim sou, e mudo apenas aquilo que me prejudica e apenas me atrapalha nesta caminhada. A metamorfose, decorrendo por necessidade e obrigação, é dolorosa, com alguns tropeções. As metas que surgem vão sendo cada vez mais difíceis de conquistar.


Passada esta meta, senti-me como nunca antes. É indescritível a sensação de ter feito algo que anteriormente me atormentaria ao ponto de me esconder num casulo só meu. Isto, tão insignificante à superfície, foi para mim um progresso em direcção a um sonho de estar tranquila comigo mesma, esse sonho que temia nunca superar.


Por isso foi tão fantástico senti-lo.
Por isso estou um pouco mais feliz com esta estranha pessoa que me calhou ser.
Assim sou.

10 de março de 2008

pequenez


Ainda tenho o céu. Ainda tenho esse refúgio, essa libertação, essa beleza intocável -- mesmo para os mais poderosos homens.
Ainda tenho o mar. Esse, já um tanto ou quanto danificado por mãos humanas, resiste ainda, belo, altivo e infinito aos meus olhos.
E sim, por vezes apenas me basta saber que os tenho, que os posso contemplar e guardar para mim na memória ou numa fotografia. Tenho ainda, ao vê-los, uma hipótese de fuga a tudo o que é maldade, ambição, obsessão, a todas as falhas humanas.
O céu e o mar nada têm disto, porque nada disso é necessário. Nenhuma destas coisas é benéfica, pelo menos para mim e para outros que (ainda) não se alimentam e vivem destes males, destas coisas pequenas e insignificantemente humanas.
E por isso refugio-me, encontro-me, completa e mortal, no céu e no mar. Mesmo sem os tocar, apercebo-me e aprecio a minha própria pequenez, a Nossa pequenez de alma, que de nada vale face às forças da Natureza.

7 de março de 2008

Estilhaço do que fomos


Resta, no chão, apenas um estilhaço daquilo que fomos.


Segundo aqueles que me rodeiam, devo aproveitar esse ínfimo pedaço de um todo quebrado. Eu própria o sei: devo lutar pelo que resta de nós, e já decidi fazê-lo.

(Quando?)


Independentemente das consequências do que farei, já nada tenho a perder. Tudo o que me resta é agarrar-me a esse fragmento de uma relação sufocada.


(Como?)


Quanto a esse estilhaço, por diminuto que seja, é para mim suficiente. Antes, nada era suficiente, e a presença corpórea era uma obsessão; agora, ela é insignificante, e apenas a compreensão mútua me permitirá lembrar com carinho o que fomos. Recuso-me a lembrar algo tão inesquecível com mágoa, tristeza, inquietação!


Não sei quando, como, com que coragem vou expressar por palavras o que tenho sentido, porque raramente o faço. Aliás, nunca o faço, se as nódoas negras que me deixam são profundas. No entanto, a facilidade que tenho de escondê-las dos outros é incomparável à dor da sua impregnação na minha pele, no meu ser.


E por isso vou obrigar-me -- de que maneira não sei, nem sei com que força -- a falar disto, a expressá-lo.



(Sim, sei que existimos. Algures, ainda existimos...)

1 de março de 2008

Hey, stranger : )


A minha vida reduzia-se a um círculo restrito, a um local limitado pela geografia e pela minha própria personalidade. A rotina era aceitável, e quem fazia parte dela dava-me o conforto da previsibilidade: com eles eu saía, eu passava horas sem fazer nada de especial, eu era feliz, nesse Presente. Sentia-me bem, numa pele que quase, quase era a minha.

De vez em quando, nas alturas em que nem eu nem tu estávamos embrenhadas no nosso quotidiano estável, quebrávamos essa rotina estando só nós duas, no nosso mundo. Quando assim era, eu sabia que estava na minha pele. O que eu dizia tinha importância, o que eu fazia não seria de forma nenhuma julgado ou ignorado. Naquele mundo, apercebíamo-nos de que só nós tínhamos aquela linguagem, aquelas piadas, aquelas confissões. E isso era tudo o que precisávamos.

Tu eras (és?), provavelmente, aquela que melhor compreendia o meu ser, aquela que falava comigo como se eu não tivesse defeitos, como se eu não fosse a pessoa complicada e estranha que realmente sou. Para mim, eras sem dúvida - e ainda o és, porque o que és não é mutável - a pessoa mais carinhosa, mais compreensiva, mais generosa que tive oportunidade de conhecer.

E, apesar da tua imensa generosidade, do teu contante abdicar de ti pelos outros que eu tanto admiro, de vez em quando também te ias mesmo abaixo. Nessas alturas, eu não sabia de ti - como não sei agora -, mas a tua ausência nunca foi completa. Sempre te senti comigo, como neste momento sinto, e quando voltavas a tua presença em corpo era reconfortante, era saber que ti eu ainda existia e que, para mim, ainda eras mais que uma memória inesquecível.

Aqui estou, numa dessas alturas em que não sei de ti, se estás bem ou mal, se precisas de mim ou nem por isso. Mantêm-me presa a ti as memórias de todos os momentos inesquecíveis, indescritíveis que passámos juntas, e aquilo que me escreveste há umas semanas: com isso, senti um novo ânimo, ganhei segurança com as tuas palavras, o aconchego de saber que ainda aí estás.

Mas como estás, realmente, amiga?
Espero que me ouças a esta distância que nunca nos separou.
Espero que saibas que sinto a tua falta.
E que te adoro.